Incertezas e crise brasileira justificam parte da alta do dólar, que ocorre no mundo todo
O que pouco se divulga é que o dólar está se valorizando no mundo todo. Ontem, por exemplo, o euro chegou ao patamar mais baixo em 12 anos. A expectativa ou especulações sobre o posicionamento do Banco central norte-americano (Federal Reserve), que pode subir a taxa de juros, e políticas internas dos países europeus têm forte influência na crescente alta da moeda americana.
O professor Giorgio Romano Schutte, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), vê “vários fatores” influenciando a conjuntura monetária brasileira. Ele não descarta, porém, que uma delas é a crise brasileira, e a depreciação do real em relação ao dólar se dá também em decorrência das “turbulências” e à imagem do Brasil, “muito afetada” no exterior. “A questão da Petrobras, o clima, as notícias que saem lá fora são alarmantes sobre crise política intensa, e isso faz com que haja uma desconfiança com relação ao real”, diz Schutte.
Mas ele considera correta a opção do Banco Central de não intervir no mercado para defender a moeda brasileira.
Questionado se está otimista ou pessimista diante do cenário atual, o professor diz, com bom humor, que o ideal seria “hibernar” como os ursos, e acordar depois da “tempestade”. Mas afirma também que, apesar da crise e das incertezas, há motivos para acreditar no potencial econômico fruto das políticas do governo. “Estão acontecendo coisas que apontam claramente para o potencial que existe para geração de emprego e renda neste país.” Uma delas diz respeito à Petrobras. A produção total de petróleo e gás natural no país chegou a mais de 3 milhões de barris de óleo equivalente (BOE) por dia.
Leia a entrevista concedida à RBA:
A que o sr. atribui a violenta alta do dólar? Pressão do mercado contra o real, recuperação da economia norte-americana?
São vários fatores. Tem uma valorização do dólar com relação a várias moedas, como em relação ao euro, ao iene, porque estão se criando as perspectivas nos Estados Unidos de se aumentarem os juros, enquanto os outros países estão diminuindo. A política de estímulo a atividades econômicas do Banco Central Europeu por meio da expansão monetária acaba diminuindo os juros e desvalorizando o euro. Os investidores têm mais interesse em ir para o dólar.
Outra questão, especificamente com relação ao Brasil, diz respeito às turbulências e à imagem do Brasil, que foi muito afetada. A questão da Petrobras, enfim, o clima, as notícias que saem lá fora são alarmantes sobre crise política intensa, isso faz com que haja uma desconfiança com relação ao real. O Banco Central, de certa forma corretamente, não está torrando todas as reservas para defender o real neste momento.
Por que corretamente?
Primeiro, se você começa a fazer isso neste momento vai ter muita especulação apostando que o BC não vai conseguir (defender o real), você vai torrar muito dinheiro à toa, e isso cria muitos problemas. Vamos ter que conviver com isso, ver o que acontece. Tem várias causas. A principal questão é a economia internacional, que é a junção da questão econômica nos Estados Unidos e o que acontece nos outros países de regiões centrais, Japão e Europa, que estão apostando mais numa expansão monetária: com a perspectiva de aumento dos juros do banco central americano (Federal Reserve) o apetite vai para o dólar. E nesse contexto temos aqui a questão interna, política sobretudo, com algumas questões muito concretas como a Petrobras.
O sr. vê nessa componente política um aspecto forjado pelos mercados?
Pode ter um pequeno elemento, mas não é isso. Claro que a questão da imagem, a questão da percepção da situação no Brasil tem esse elemento, mas faz parte do conflito político neste momento. Há conflitos de fato muito sérios. O Brasil tem enormes dificuldades de avançar na política econômica. Partidos aliados se tornam oposição. Isso tudo são fatos, querendo ou não. O fato de que a médio prazo é uma economia com grandes perspectivas, isso é irrelevante nesse momento. O dólar age no imediato. Ainda não estamos diante de uma grande fuga de capitais. Eu também acho que não vai acontecer, exatamente porque a economia tem fundamentos sólidos. Não tem um movimento de apostar pesadamente contra o Brasil. Pode ser que aconteça, mas neste momento não vejo isso como fator determinante da situação do dólar.
Como o sr. avalia a alta do dólar quanto à balança comercial? Não favorece as contas brasileiras?
Aí tem que ter cuidado. É preciso de um tempo para o setor produtivo aproveitar essa nova janela de oportunidade. Para isso ele também precisa de juros mais acessíveis e financiamentos. Se o BNDES fecha a torneira e os juros estão altos, e você tem um processo de desconstrução das cadeias produtivas, você não consegue imediatamente reagir. Isso tem uma defasagem, demora um tempo. Pode ser positivo, mas o positivo vai aparecer mais para a frente. As condições para aproveitar essa janela são negativas hoje. O BNDES fecha as torneiras, os juros são altos. O clima não é de investimentos para aproveitar essa oportunidade, para você se preparar para exportar. E ao mesmo tempo os problemas aparecem no curto prazo: os produtos importados imediatamente se tornam mais caros, as dívidas em dólar se tornam imediatamente mais impagáveis. Isso pesa na Petrobras.
O quadro está muito complicado, então. Como acadêmico e professor, o sr. está otimista ou pessimista em relação ao cenário?
É, vamos dizer que é um período difícil. Estou otimista a médio prazo, desde que se consiga segurar problemas de curto prazo. Mas aí o problema é sobretudo político. Sabe os ursos, que ficam hibernando três meses? É mais ou menos isso. Mas a “política do urso” é para professores universitários, não para gestores públicos. O momento é complicadíssimo. A presidente Dilma faz um discurso e não anuncia nada de concreto. Ela poderia ter dito que, “reconhecendo o esforço que os trabalhadores já estão fazendo, eu vou aprovar o ajuste da tabela do Imposto de Renda” (acordo entre líderes do Congresso e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, estabeleceu correção escalonada na tabela do IR em cinco faixas, de 4,5% a 6,5%). Mas, aí, aparece no jornal quase como uma conquista do PMDB, não é capitalizado por ninguém, nem pela CUT, nem pelo PT, nem pela Dilma, e por aí vai.
Tempos melhores chegarão, aí vem meu lado otimista. Porque existem fundamentos. Hoje, por exemplo, saiu uma notícia: São Paulo é a sétima cidade de preferência para organizar eventos internacionais. Pode-se acreditar no país, mas a curto prazo a situação é de uma tempestade mesmo. Não dá para ver o sol, mas o sol virá.
É melhor então hibernar, como os ursos?
É mais ou menos isso. Apesar de toda a crise, há exemplos que mostram claramente (motivos para otimismo). Os investimentos externos diretos, ou seja, os investimentos produtivos externos para o Brasil em janeiro foram de U$ 4 bilhões, superando a previsão dos analistas do mercado. Em dezembro do ano passado, por exemplo, o Brasil chegou a 3 milhões de barris de óleo equivalente (BOE). Isso é um sucesso total. A exploração do pré-sal, que está dentro disso, que explica esse crescimento, está indo muito bem. Ninguém fez isso, extrair petróleo a 200 quilômetros da costa a 7 mil metros de profundidade. Isso tudo parece que não existe porque a gente está olhando o curto prazo. Mas estão acontecendo coisas que apontam claramente para o potencial que existe para geração de emprego e renda neste país.
Fonte: Rede Brasil Atual